Pessôa foi mais que um conviva, foi dos poucos confidentes em minhas noites escuras da alma. Tínhamos, cada qual, seu próprio universo, e nem sempre a conjunção dos astros. Acordo tácito, não falávamos sobre amigos do outro que não gostássemos.
Divergíamos. Muito e sobre todas as coisas. Principalmente sobre a vida e as pessoas que nos cercavam. Sobre ideias e sentimentos. Sobre paixões conflitantes. A idade e as abstinências o tornaram irritadiço, com pouca paciência para aceitar os fatos, mazelas que também me alcançaram. E havia o hábito da provocação. Pessôa se esmerava ao dizer o que sabia que levaria o interlocutor à exasperação. Defendia com ardor teses que conflitavam com suas convicções para desafiar o próximo. Liberal, libertário, era capaz de fazer longas perorações em defesa dos governos militares para provocar a ira de desafetos de ocasião. Convergíamos. Muito e sobre muitas coisas. Aliás, sobre quase tudo, especialmente quando estávamos em batalha comum contra apedeutas nativos, o que foi uma constância em nossas vidas.
Precisávamos do embate. Nêgo Pessôa era um polemista que adorava paradoxos. Insultava com charme e precisão. É verdade que às vezes descia ao chulo, ao argumento bruto. E se não contido seria capaz de ir ao desforço físico para defender uma ideia, um autor, uma princesa. Não escondia suas idiossincrasias. Gostava muito do Paulo Leminski, mas detestava a sua poesia. Não escondia isso de ninguém, nem do Leminski, o que provocava maus bofes na província orgulhosa de seu vate modernista. Não gostava da província, do espírito provinciano, principalmente depois que ocupada pela geração do politicamente correto e suas sandices. Mas jamais conseguiu se desligar da cidade que adotou quando veio de Irati para estudar o colegial. Nem quando foi levado ao Rio para compor a equipe do Armando Nogueira no início do Jornal nacional. Tomou um ônibus, fugiu do compromisso e voltou à Curitiba.
Venceu quando ele apostava na derrota, em 1970; perdeu quando considerava a vitória certa, em 1982. Mas vaticínios e análises eram o que menos interessava no texto do Nêgo Pessôa. O bom mesmo era ler o texto, fruir as suas frases, as suas palavras. E o seu raciocínio inteligente, mesmo quando usado para as batalhas mais extravagantes, como a defesa da tese de que o técnico de futebol além de desnecessário, atrapalha. Nêgo Pessôa discutia sobre tudo, das teorias do Círculo de Viena às técnicas do amor tântrico e outras de sua própria invenção, como a técnica dos quadris que ele descreveu em um de seus textos.Foi um amigo de casa, que passava o natal e o ano-novo com minha família e nossos amigos mais chegados. Denise e meus filhos, Izabel e Rubens, herdaram sua amizade. Em casa convivemos com pessoas únicas, em noitadas alegres com Dico Kremer, Carmen Lúcia, Osvaldo Loureiro, Plinio Marcos, Fernando Sabino, Elizabeth, Jamil Snege, Newton Rodrigues, Wilson Bueno, Aroldo Murá, Iara e Luís Roberto Soares e toda a raça pensante de nossa geração que aqui viveu ou por aqui passou.
CARLOS ALBERTO PESSOA - "Nego Pessoa"
Wasyl Stuparyk ou Basílio Junior
Wasyl Stuparyk ou Basílio Junior