Um pulmão não funcionava, o outro só a metade. Internamento. Da pneumonia passou-se à pesquisa. Novas tomografias, internamento para uma cirurgia. Tirar água do pulmão, disse o médico. Retiraram a água e tecido para biópsia. Então, se deu o que passáramos a temer. A neoplasia tomara conta do pulmão e avançava. Internamento imediato na UTI. Durante dias a luta para restabelecer equilíbrio mínimo do organismo. Sedado. Coma induzido.
Lembrei do Jamil. O mesmo hospital, a mesma UTI, o mesmo bicho no mesmo lugar. Veio-me o mau pressentimento. Tudo que ouvi sobre a dificuldade que é combater a doença no pulmão. Mas o Turco teve um tempo de lucidez para lutar. Quimioterapia, radioterapia, o esforço diário para destruir o bicho. Quero apenas cinco anos, dizia, só cinco anos para terminar o romance. Tenho alguns contos na cabeça. Se tiver cinco anos com um mínimo de saúde eu termino, acreditava. Não teve cinco anos, apenas alguns meses em que reeditou O Jardim, a Tempestade. Deu uma longa entrevista confessional para a revista ETC e escreveu um conto antológico Minha mãe se veste para morrer. Só. O romance da vida de Antonio Vieira dos Santos ficou e seus originais se perderam em mãos inúteis. Foi-se o Turco.
Que esperança eu poderia ter agora, com o Nêgo Pessôa levado direto à UTI, sem tempo para nada, sem poder dizer nada. Entubado. Sem reações. Uma traqueostomia para ajudar a ventilar o pouco que lhe restara dos pulmões. A cada notícia, a esperança menor. Quanto tempo? Ele também tinha um livro rascunhado em algumas páginas de suas cadernetas e em cinco livros escritos em sua cabeça. As lembranças narradas na ordem dos afetos. Dos amores. No fio da navalha dos vícios e dos prazeres. Mas principalmente a memória dos livros. Das leituras. Uma biblioteca de milhares de volumes na cabeça. Uma população de personagens da grande literatura. Ele mesmo, personagem de Dalton Trevisan, Pássaro de Cinco Asas. A vida a escorrer da experiência que se confundia nas páginas e nos sentimentos. Nêgo Pessôa, no centro de todas as teorias, de todos os livros, pronto para todas as mulheres do mundo.
Nêgo Pessôa
Texto de Fábio Campana
Há dias carrego, em silêncio, minha apreensão e minha tristeza. A primeira notícia foi de um quadro clínico delicado, uma grande dificuldade para respirar e uma dor de dente. Ao telefone, reclamava mais da dor do que da falta de ar. Providências. Tina Camargo o levou ao médico e ao dentista. A dor passou, a dificuldade para respirar aumentou e o médico diagnosticou uma pneumonia. Novo médico, tomografia, exames acurados e veio o primeiro sinal do pior.
CARLOS ALBERTO PESSOA - "Nego Pessoa"
Wasyl Stuparyk ou Basílio Junior
Wasyl Stuparyk ou Basílio Junior