Estamos numa quinta-feira da primavera de 1954. São quatro da manhã e o despertador toca na casa de Gebran Sabbag, 22 anos, que precisa acordar para fazer a primeira tarefa do dia. Ele lembra que ficou acordado até duas da madrugada tocando numa boate, mas assim mesmo levanta-se resignado.
Gebran mora com os pais, os irmãos e a avó paterna, numa casa de dois pavimentos na Inácio Lustosa, 932. A essa hora nenhum de seus cinco irmãos está de pé. Ele sai em silêncio do quarto que divide com o irmão Thomé, que estuda para o vestibular, e desce para o piso inferior. Caso tivesse tempo, daria mais atenção a Pinóquio, um pequeno cachorro branco e peludo, de raça misteriosa, com uma mancha marrom no olho.
Nem pára para tomar café. Pega o Renault Prairie da família e parte rua abaixo. Aspira o aroma intenso das magnólias. Ah, estão voltando as flores, salve grande Paulo Soledade!
A rua está bem iluminada. Deus abençoe o major Ney Braga, prefeito recém¬eleito, que distribui lâmpadas de 150W por toda parte, até no esquecido distrito de Santa Felicidade. Os postes de madeira têm uns 20cm de lado e seis metros de altura.
Gebran dobra na Trajano Reis, segue célere pela rua do Rosário, cruza a praça Tiradentes sem deixar de notar que os dois relógios da Catedral estão em sintonia, coisa que raramente acontece. Entra na XV de Novembro, por onde passam poucos veículos. Junto com a Barão do Rio Branco, e poucas outras, exibe piso de asfalto. No resto do centro o pavimento é de paralelepípedo – chamado duquim.) Pára no número 420. Pronto. Está na Panificadora Curitibana, onde é gerente do forno e gestor do estoque de farinha de trigo.
Antes que Gebran inicie sua rotina diária convém constatar que não é todo
o dia que o Renault está à sua disposição. E sem o carro seu caminho fica muito mais interessante. Virando na rua Parnaíba, ele logo chega à Jaime Reis, onde encontra o que considera a coisa mais linda daqueles tempos – os colonos.
Eles vêm de Santa Felicidade, a carrocinha cheia de produtos agrícolas. No Largo da Ordem, uns ficam cuidando dos cavalos que tomam água no bebedouro, outros seguem para o centro comercial para comprar ferragens e tecidos. Lindo era o som dos colonos. “Quer comprar guelinha, ovos, rrrepolho, fijon?”. Suas vozes têm harmonias inesperadas.